domingo, 18 de setembro de 2011

Kirstein e Balanchine: fundando uma estética

    Grande parte do que se reconhece hoje como uma contribuição americana ao balé clássico, ou mesmo como característica particular do balé americano, se deve ao trabalho de dois homens que seguiram uma meta lançada no início da década de trinta: o empresário norte-americano Lincoln Kirstein e o coreógrafo George Balanchine. Lincoln Kirstein era um jovem milionário americano, ligado às vanguardas artísticas da Europa e dos Estados Unidos, diretor da revista literária Hork on Horn, em Havard quando desembarcou na Europa com o sonho de buscar artistas para criar uma companhia de balé americana, aos moldes e no nível dos Balés Russos de Diaghilev. A escolha de um maître de ballet para a direção recaiu sobre o mais jovem coreógrafo da companhia, George Balanchine, e não poderia ser mais adequada para o projeto de criar um balé americano - dos coreógrafos de Diaghilev, Balanchine era aquele que se debruçava sobre o próprio balé para desenvolver suas coreografias. Uma de suas obras mais importantes, Apolo Musageta, criada em parceria com Igor Stravinsky para os Balés Russos, celebrava o aspecto apolíneo da danse d'école, trazendo-a para o universo experimental da vanguarda. O balé e os bailarinos eram o material e o tema de seu trabalho. Por esse motivo a condição imposta por Balanchine para aceitar a proposta de Kirstein, foi fundamental para o seu desenvolvimento artístico posterior e para o próprio balé: a criação de uma escola que formasse bailarinos para a companhia. A ausência de uma escola era o principal problema dos Ballets Russos, que por este motivo tinham um quadro muito heterogêneo de bailarinos, o que limitava o trabalho dos coreógrafos.
    A School of American Ballet foi fundada em janeiro de 1934, com a ajuda financeira de Edward Warburg, e sediada em Nova Iorque. Toda a sua organização pedagógica foi dirigida por Balanchine. A maior parte dos professores era formada pela Escola Imperial de São Petesburgo, o grande reduto do balé clássico do período, onde se formaram além de Balanchine, Nijinsky, Nijinska, Fokine, Pavlova, Karsavina. A tradição transmitida pelos russos, à qual se aliava eventualmente na escola o trabalho de alguns professores dinamarqueses, começou a ser enriquecida e ampliada com a experiência de professores que tomavam contato com o movimento experimental da modern dance, tanto aulas de dança moderna, como aulas de clássico com professores que conheciam diferentes correntes da dança moderna, faziam parte do curriculum. Uma das professoras, Muriel Stuart, autora do livro The Classic Ballet, juntamente com Kirstein e de Ch. Dyer, conta que quando foi contratada, procurou Balanchine para uma orientação sobre aulas aos moldes russos; sua formação havia sido com Pavlova, e ela também assistira a cursos com Lester Horton e Graham. Balanchine insistiu que ela deveria ministrar suas próprias aulas, lembrando as possíveis vantagens a serem retiradas do conhecimento de outras técnicas de dança dentro de uma aula estritamente clássica. Essa postura ao mesmo tempo rigorosa e eclética permeou toda a história da escola. Ao longo do tempo, bailarinos aí formados, que continuaram a trabalhar com Balanchine nas diferentes companhias que fundou com Kirstein, foram sendo contratados como professores. O estilo da escola, criado e mantido com essa dinâmica não pode ser desligado da criação coreográfica de Balanchine e do tipo de dançarinos por ele utilizado. As características básicas são velocidade, ataque brilhante, técnica de baterias apurada para todos os bailarinos, pernas alongadas, formas agudas, movimentos acrobáticos e atléticos.
    O tipo da bailarina balanchiniana, que se reconhece por esta descrição, é muitas vezes acusado de ser excessivamente virtuosístico e por esse motivo pouco harmônico.
    Um texto de Balanchine no entanto, sobre sua concepção de bailarino, dá um complemento diferente a essa visão:

"Movemo-nos em esferas. Tudo o que faz parte do universo parece ser redondo. Movimentos angulosos para mim só existem para sublinhar o esférico. Falar do anguloso de modo depreciativo é como chamar uma música dissonante. Antes de tudo a dissonância nos torna conscientes da consonância, assim os movimentos angulosos nos tornam conscientes do agradável aspectro da esfera. Não se pode ter a sombra fria sem a luz." (in Balanchine, George; "Marginal Notes on Dance" in- The dance has many faces).

Referência: Sofia Helena Martins Cavalcante
Pós graduada em Filosofia na USP.